Até tu, Playboy?
Se você nasceu da primeira metade da década de 90 pra trás, é provável que o seu primeiro contato com a nudez da forma feminina e o erotismo tenha sido através de uma revista Playboy. Algumas das minhas memórias mais vívidas da infância envolvem a publicação, que um dia encontrei uma pilha escondida no armário do meu pai – em retrospecto, num lugar bastante conspícuo. Talvez tenha sido a intenção dele, deixar ali pra que um dia eu descobrisse por acidente, algo de pai pra filho pra começar a despertar o meu interesse por mulheres.
Os anos passaram e quando tinha pouco mais de 10 anos, já possuía acesso livre às revistas, que meus pais compravam livremente pra mim. Mais do que simples ferramenta de auto-descoberta – foram muitas páginas grudadas – a Playboy sempre teve uma presença importante na minha vida. Com o amadurecimento, fui me interessando pelas páginas que não traziam uma mulher pelada e nas entrevistas, artigos e especiais passei a ter um novo tipo de descoberta – um jeito único de encarar a vida, uma visão hedonística e, ao mesmo tempo, despreocupada e engajada do mundo. Por muito tempo, o que lia nas páginas da Playboy era pra mim o exemplo do estilo de vida que um homem adulto moderno devia manter.
Símbolo da revolução sexual, a revista transpirava liberdade de expressão e transgressão, um total desapreço pelo puritanismo e o politicamente correto (basta lembrar a seção de piadas).
Mas é claro, essa é a findada edição brasileira da revista americana. Tive quase nenhum contato com a versão original da Playboy, fora um ou outro amigo que tinha viajado pros EUA e conseguido uma revista de lá – mas naquela época ainda não havia despertado o interesse pelos artigos, nem possuía um inglês bom a ponto de entender alguma coisa.
De qualquer forma, é triste ver o que a revista se tornou. E não estou nem falando da decisão recente de não trazer mais nudez. Uma rápida olhada pelo site americano da Playboy pinta um quadro inesperado.
Sim. De críticas apocalípticas sobre Donald Trump a propaganda feminista, a Playboy está tomada pelo politicamente correto. A maioria dos artigos na página inicial são indistinguíveis de sites assumidamente de esquerda como o Vox ou o Salon. A seção de games então parece um Kotaku bem vestido. Até ela mesma é presença não-irônica constante nas páginas da publicação.Um outro artigo, lista seis mulheres que estão “botando a indústria de games em forma”. Os nomes incluem Brianna Wu e Tanya D., além de outros ícones feministas do meio. Em outro texto, são listadas sete protagonistas de games que estão quebrando os tabus da indústria. O que mais assusta é a afirmação de que a cruzada anti-sexualização que se instalou na indústria de video games nos últimos anos é algo desejado, positivo.
Playboy e Anita Sarkeesian são duas coisas que eu jamais quis imaginar juntas.
Isso mesmo. Playboy denunciando sexualização e “objetificação” da forma feminina. Esse é o ponto em que chegamos.
Logo a publicação cujo fundador, Hugh Hefner, tem um prêmio com seu nome dado a indivíduos cujos feitos ajudaram a reforçar a Primeira Emenda da constituição americana – a que estabelece o direito inalienável a liberdade de expressão.
A figura de Hefner, no entanto, ajuda a explicar o atual viés esquerdista e a natureza cosmopolita da revista. O fundador de 90 anos sempre foi um ativista de causas progressistas, tendo por décadas sido um doador assíduo do Partido Democrata. Somente nos últimos anos Hefner se distanciou do partido, alegando desilusão tanto com democratas quanto com republicanos, passando a se identificar como independente. Em defesa do casamento gay, ele afirmou que negar esse direito a população homossexual seria como “reverter a revolução sexual de volta para o puritanismo”.
O problema é que o mesmo puritanismo que a Playboy se tornou um ícone contra, na época comandado pela direita religiosa, hoje é encampado pela esquerda progressista – a mesma cujos expoentes que julgam a quantidade de pele mostrada em games estampam as páginas da revista. Pessoas que querem determinar quais palavras ou termos podem ser usados e controlar todos os aspectos do processo criativo pra que se alinhe a uma agenda política têm sua mensagem ecoada pela publicação cujo fundador se diz um defensor ferrenho da liberdade de expressão.
Uma revista cuja própria existência se baseia na total e irrestrita liberdade de discurso, um símbolo da sexualização, da adoração pela figura feminina, do erotismo, à mercê dos maiores inimigos desses conceitos.
É mais um caso de uma organização que ainda não percebeu que o que antes era a sua voz, se tornou aquilo que eles lutavam contra. O puritanismo hoje tem um novo endereço – nas salas de faculdade, nos cursos de justiça social, nas redações de órgãos de imprensa… nas páginas da Playboy.
Durante seu discurso na convenção do Partido Republicano, Donald Trump entoou a frase “Nós não temos mais como sermos politicamente corretos”. A declaração foi uma das mais bem aceitas do discurso, tanto entre aqueles que se identificam como republicanos, quanto com democratas. Talvez seja um indício de que não somos só nós que estamos cansados do controle criativo imposto pelo culto da justiça social.
Primeiro foi a mídia especializada em games a se aliar ao inimigo de outrora, agora é a Playboy. Mas talvez estejamos testemunhando o começo do fim do reinado do politicamente correto. De qualquer forma, dessa vez não contamos mais com a Playboy na briga contra o puritanismo. Precisamos de uma outra mansão praorgiafesta de comemoração.
FONTE: Lolygon